Há 3 anos tive diagnóstico de câncer.
O câncer é uma enfermidade grave, mas existem muitos mitos e muitos tabus sobre essa doença. Além disso, há milhares de tipos e subtipos de câncer, que se manifestam das mais diversas formas. Além disso, duas pessoas com o mesmo tipo e subtipo de câncer, idades, estilos de vida, tratamentos "iguais" podem ter uma experiência ou uma jornada totalmente diferente com a doença.
Acredito que quando alguma coisa tão
"grandiosa" como um câncer, ou outra doença grave, ou alguma coisa
muito séria acontece na vida de uma pessoa, ou de uma família... Ela vai ter um
olhar mais atento para algumas coisas, vai estudar, vai pesquisar, e vai (numa
determinada medida) conhecer mais sobre esse assunto, do que conhecia até
então. Assim como vai passar por situações que nunca passou anteriormente.
Lembrei-me agora de uma frase de um texto que
escrevi há alguns anos, que falava sobre "luto infantil"*. A frase
dizia: "Apenas quem vive, conhece", no sentido de que tem
condições, sentimentos, narrativas... Que não dá pra saber, não dá pra querer
buscar, até que se viva, até que se passe, até que se precise lidar, conviver
ou enfrentar uma situação.
Tem algumas coisas sobre as quais posso falar, sobre as quais aprendi, para as quais tenho uma sensibilidade maior, sobre as quais tenho informações, sobre as quais tenho atenção e preocupações, porquê convivo com o câncer hoje. Vivo isso na minha própria pele... E ainda assim, como falei, pode ser que alguém que vivencie o mesmo câncer com o qual eu convivo, não consiga dizer, saber ou sentir da minha experiência, e vice-versa, por mais que haja aproximações e familiaridades.
Durante esses 3 anos, desde que descobri o câncer, num determinado momento passei a sentir uma dor do lado esquerdo, na região inferior do abdômen. Inicialmente, não era uma dor constante, ela era muito forte e predominante no período da noite - curiosamente. E apesar de muito intensa, esses episódios de dor não eram os mais fortes que eu já tinha sentido nessa trajetória com câncer.
Eu vivi um período de muita dor, em decorrência do tumor cancerígeno primário - Quando ainda não havia o diagnóstico de câncer. Era a dor proveniente de um câncer propriamente dito, e eu acredito que esse tipo de dor eu nunca mais vou sentir na vida, e não sei como pude suportar. Lembro-me que um dia relatando pra minha mãe o tamanho da dor, ela falou: "Da forma como tu fala, parece até a dor que as pessoas relatam de câncer". E na verdade era... Mas a gente não sabia. Veja, como na maior parte das vezes, o inconsciente já tem a resposta.
Mas, voltando às dores que vieram após essas: A minha oncologista disse várias vezes que não havia alterações nas tomografias, e nem em outros exames. Fiz, a pedido dela, uma colonoscopia, e os exames não traziam alterações - O que por um lado era um alívio também, saber que não tinha nenhum outro tumor, ou um novo foco de câncer. Porém, as crises agudas de dores continuavam. Digo, agudas, por que eu sentia quando essas dores estavam por vir: Um mal-estar ia se formando e deflagrava numa dor enorme, no fundo da barriga. Essas dores, que chamei de "crises" pareciam durar uma eternidade, mas duravam em torno de 10 ou 15 min - algumas vezes da noite, menos vezes durante o dia. Às vezes eu estava na sala vendo tv com minha mãe e saía correndo para o meu quarto, pra ficar "quietinha" - quase imóvel, até que a dor passasse. Alguns nefrologistas, da clínica de hemodiálise que frequento, aos quais, em alguns momentos, me queixei muito mais dessa dor, me examinaram, tentaram me ajudar, pareciam realmente preocupados, mas não obtive uma resposta "efetiva". Como uma tentativa de melhorar, de manter uma qualidade de vida, com o conhecimento da oncologista, dos nefrologistas, da minha família... Comecei a utilizar "paco" (é um remédio que está na cadeia dos mais potentes pra dor), combinado com 2 comprimidos simples pra dor, de 4 em 4 horas, ou de 6 em 6 horas, e eventualmente inseria comprimidos de ciclobenzaprina. Segui com esses medicamentos regularmente por meses, de maneira que à medida que as dores ficaram mais esparsas, fui diminuindo os comprimidos. Um dia me vi sem nenhum comprimido e sem nenhuma dor. Parecia magia, milagre, enfim, estava muito grata novamente pela vida, por uma vida razoavelmente sustentável, por não ter entrado num estado ainda mais grave ou de depreciação.
Fiquei bem e tranquila por bastante tempo, por
vários meses mesmo! Nesse período retornei à quimioterapia, ao meu trabalho no
serviço público, a coordenar alguns projetos e supervisões, viagens breves,
lazer, a elaborar alguns cursos e etc.
E então, as dores voltaram, em maio desse 2024!
Como de costume, da minha personalidade,
inicialmente eu não me "assustei" porquê elas não retornaram muito
intensas. Elas voltaram "devagarzinho". Eram incômodas, mas não
machucavam tanto, e assim foram se acomodando, como inimigas íntimas. Talvez,
por um mecanismo de defesa, eu não tenha encarado-as da forma como deveria, no
momento que deveria.
Eu nunca digo que "tenho uma doença", ou
que "estou doente", ou que "sou doente", ou "meu
câncer", ou que "tenho câncer", ou que sou "uma
renal", entre vários outros diagnósticos, ou qualificações que apenas
estigmatizam as pessoas.
Mas quando essas dores voltam e se instalam com
tanta potência e voracidade, eu não posso negá-las, eu não posso negar que algo
em mim "não está funcionando bem", e que isso faz parte de um
processo de adoecimento, de sentir dor, de sentir a dor. Somos dialéticas,
dialéticos. Se por um lado há aqui uma Thereza Erika que escreve, que deseja,
que dá gargalhada, que se relaciona, que adora montar “looks”, maquiagem, fazer
unhas, enfim, eu vivo... Também há um lado que sente dor na carne, e na alma.
Quando as dores voltaram tentei usar os mesmos
medicamentos da outra vez. Não funcionou. E isso coincidiu com um momento onde
a tomografia me trouxe notícias ruins dos tumores metásticos do pulmão: Eles
haviam crescido aceleradamente de março para julho.
Essa consulta com a médica e os resultados dessa
tomografia recebi 1 dia antes do meu aniversário desse ano (Nasci em 20/07).
Naquele dia senti-me muito desamparada pela minha médica. E acredito que não
foi apenas um "sentir", ela me desamparou. Tanto que disse: "Vou
solicitar a quimio pra você, mas se não der certo, se continuar crescendo dessa
forma, não tem mais o que fazer...". Bem naqueles dias eu estava
assistindo uma série sobre cuidados paliativos, mas independente da série, eu
já sabia que isso não é o tipo de coisa que se diz para alguém. E também
aconteceu num período no qual eu tinha voltado a fazer pesquisas sobre o
sarcoma, que é o tipo de câncer que me acometeu (Não o que eu tenho rs), e
também a conhecer pessoas e profissionais dessa área. Naquele dia saí da sala
dela de um jeito que nunca deveríamos sair, após estar com alguém que
teoricamente cuida da gente.
Porém, antes mesmo desta consulta médica eu já tinha decidido que não faria quimioterapia no mês de agosto. Foi uma escolha muito consciente. Até então, eu tinha cumprido todos os protocolos da quimio, compareci tranquilamente para todas as sessões, e o motivo para me ausentar em agosto foi me dar conta que eu estava muito frágil fisicamente, e que meu corpo não iria suportar sessões naquele mês.
Em agosto havia solicitado férias da prefeitura, onde retornei ao trabalho em janeiro desse ano, oferecendo psicoterapia para colegas servidores, por meio on-line, devidamente encaminhados pelo setor de perícia/saúde do trabalhador. Desde que retornei em janeiro, não precisei entrar com nenhum atestado; Nesse cargo o meu foco é o atendimento dos pacientes, a formulação de cada caso terapeuticamente. Estou bem feliz com meu trabalho, e entusiasmada por integrar um novo setor e desenvolver um trabalho inovador, que impacta ou pode impactar de uma forma interessante a vida das pessoas.
Nesse meio tempo também:... Os nefrologistas da
Hemodiálise, sempre tentando me ajudar! Lá fui eu novamente me queixar das
minhas dores abdominais, e daí consegui observar algo importante: Que eu sentia
dores quando me alimentava, sendo muito difícil identificar que alimentos
poderiam causar essas dores. Constatei também que algumas dores apareciam assim
que eu me alimentava, mas às vezes elas apareciam 1 hora e meia, 2 horas depois.
Um dia fui conversar com um nefro que nunca havia me consultado. Jovem, dócil,
ao mesmo tempo sério, foi quem mais dedicou tempo ao meu caso. Destacou a
necessidade de se fazer alguns exames, e levantou a hipótese de diverticulite.
Era apenas uma hipótese, mas acho que tanto eu quanto ele desejamos muito que
estivesse certo. Diverticulite é uma inflamação nos divertículos, que são
pequenas bolsas que surgem no interior do intestino. Em casos graves, os divertículos
podem obstruir a passagem no órgão, sendo necessária uma cirurgia de urgência.
O quadro causa dores terríveis.
O médico prescreveu analgésico e dipirona pra usar
durante a dor, mas enfatizou que eu fizesse dieta líquida de 3 a 5 dias,
passasse à pastosa e depois buscasse ingerir alimentos com fibras. Apenas pão
integral, biscoito integral. Muitas frutas, muitas frutas, ele repetiu isso.
Finalizou dizendo que depois de alguns dias eu o procurasse pra saber se
melhorei. Ele parecia tão convicto, então fiquei esperançosa... Por que eu
estava piorando muito... Falei no grupo da família qual era a hipótese e as
orientações do médico.
Minha irmã me perguntou que frutas eu gostava. Eu
acho que estávamos todas tão “desnorteadas”, que em princípio me pareceu uma
pergunta comum, convergente com a orientação que o médico deu sobre comer
muitas frutas. Depois, minha mãe me contou que ela já tinha enviado mensagem no
privado dela perguntando quais eram as frutas de minha preferência. Naquela
ocasião, que contei da consulta com o nefro, no grupo do whats da família, eram
umas 20 h. Quando cheguei em casa, em torno de 1 hora e meia depois, a cozinha
estava cheia de frutas. Minha irmã saiu da casa dela, naquela hora da noite,
pra comprar as frutas pra mim. Minha irmã é realmente uma pessoa proativa, mas,
principalmente, desde que descobri o câncer, ela se posicionou no sentido de me
ajudar a sobreviver e atravessar essa doença da “melhor” forma possível. O
câncer afeta quem vive e quem está perto.
Nesta semana das "frutas, muitas frutas" preparar caldos e sucos tão naturais e suaves era um tanto lúdico, divertido... E apesar de termos muito humor: Eu, minha irmã e minha mãe, de repente foi me parecendo que não se tratava de uma diverticulite.
Mesmo com dieta líquida, sucos naturais, com a restrição de leites, ovos, gorduras, alguns pães, frituras, na verdade – Quase tudo –, as dores permaneciam e estavam insidiosas e cada vez mais frequentes.
Posso dizer que a “principal” dor era na região do
baixo abdômen, no lado esquerdo. Entre os meses de maio e setembro elas cresceram
gradativamente, aumentando muito a partir da última semana de agosto. A partir daí
já não eram mais frequentes apenas à noite; As crises – ainda que sempre
intensas – não perduravam mais por 10 a 15 minutos, em episódios isolados.
Chegou um tempo que elas pareciam estar sempre presentes. Por um período eu
conseguia comer mais alimentos, alguns até inesperados, como: Caldo de
feijoada, patê de atum com maionese, leite com chocolate em pó e etc. Mas comer
se tornou uma “experimentação”, afinal eu nunca sabia como meu corpo iria reagir,
mas a experiência foi muito mais dolorosa, do que agradável. Comer se tornou
praticamente sinônimo de dor naquele momento, e eu precisei escolher entre me
alimentar, me nutrir, ou.... Sentir dor. Pode parecer uma escolha óbvia, mas
garanto-lhes: Não era; Às vezes porquê eu sentia fome, e em alguns momentos eu
ficava a pensar se a dor na barriga também não era fome. Às vezes eu queria um prazer
que a comida me proporcionava. Então, eu refletia que na jornada com o câncer,
já tinha perdido algumas coisas que eram fonte de prazer para mim; Iria perder
também a comida, a mordida, a sedução (a comida pode nos seduzir), os
encontros, as celebrações – Nas quais comidas e bebidas não são meros
coadjuvantes? Porém, sinto que conseguia lidar com essa questão da perda, do
desprazer. Talvez tenha sido aí um momento muito profundo de aceitação, de
resiliência, de resistência. Daí, me vi numa condição de “passar fome”, de “sentir
fome”. Não era por uma situação de privação material, pela falta de alimentos,
ou de quem cozinhasse. Eu não tenho certeza se mesmo neste tipo de
circunstância é possível falar em “fome”, se é possível falar em ausência de
dignidade. A condição chegou a tal ponto que – de tanta fome, tanta escassez de
comida, de nutrição... – Eu passei a não sentir mais fome. Na realidade, nem
sei como sobrevivi! Mas é sobreviver que nos confere o “título” de
sobreviventes... Por que eu precisava me alimentar: Uma das coisas é que
desenvolvi uma insuficiência renal, em virtude do tratamento de câncer. Como
forma de tratamento, realizo hemodiálise, e uma das necessidades para se tolerar
um tratamento de hemodiálise é alimentar-se bem. Alguns pacientes chegam a
passar mal durante a sessão de hemodiálise, quando não estão devidamente
alimentados. Eu, particularmente, tenho uma tendência muito grande a ter
pressão baixa. Então, não me alimentar adequadamente era perigoso pra mim,
nesse aspecto. Mas, eu me lembrei sim dessa questão, contudo não pude ter uma
ação direcionada para esse problema. Simplesmente fui para as sessões de
hemodiálise, com dor, com fome – E consegui não passar mal. Aliás, na “hemo”,
como costumo carinhosamente chamar, é servido um lanche: Suco ou chá, pão francês
com presunto e queijo, e um pedaço de bolo simples, mas que tem algumas
variações (chocolate, fubá, maracujá). Normalmente, não como o pão. Há colegas
que pedem doação dos pães daqueles que não comem Rs. Mas curiosamente, neste
que chamo às vezes de “calvário”, eu conseguia tomar o chá e o bolo. Eles não
me causavam dor. Creio que seja a receita especial do bolo: Sem leite, sem
manteiga, sem ovos rs... Ou apenas algo como que Shakespeare resumiu pra nós
quando disse: “Há mais mistérios entre o céu e a terra do que julga nossa vã
filosofia.”
De meados para o final de setembro de 2024 eu não
conseguia comer praticamente nada. Minhas refeições se resumiam a: Café preto,
caldo de feijão com caldo de carne (totalmente coados. A caldo de carne era
natural), nos quais eu acrescentava orégano (considerada a erva da riqueza),
banana, kiwi, suco industrializado, o mais gelado possível. Em 5 dias emagreci
9 kg numa ocasião, pois sempre faço pesagem na hemodiálise.
Esse período, principalmente em julho, agosto,
setembro, foi marcado por outras dores – além das abdominais. Tenho a impressão
que a dor abdominal, de alguma forma irradiou-se para a região da virilha e da
perna esquerda. A dor se tornou tão intensa aí, que a certa altura achei que precisaria
de cadeira de rodas para me locomover – na clínica de hemodiálise, por exemplo.
Pela manhã, eu me aproximava do fogão pra esquentar o café, antes de começar a
atender, e eu não conseguia ficar em pé por muito tempo. Falo sempre em “sustentar”,
em sustentar o desejo de fazer terapia, de sustentar o desejo em várias
coisas... E de repente eu me vejo sem conseguir sustentar o meu corpo. As dores
eram no abdômen (um lugar inequívoco de onde são depositadas algumas de minhas
fragilidades), na perna, nas costas, no braço. Às vezes o peito apertava. Tinha
náuseas. Vomitava também.
E qual era o plano? Concluir o mês de setembro. Pra
mim, atender todos os meus pacientes até o final desse mês: - Não sei. É
ininteligível, não é?... Alguma ideia imatura, mágica, de que haveria
responsabilidades, uma “missão a ser cumprida”... Talvez que eu não “abandonasse”
a única coisa que sentia que eu tivesse, que era o meu trabalho. Eu nunca quis,
e não quero que meus pacientes se preocupem comigo (Embora, se importar com o
outro, seja um sinal de maturidade emocional), e também nunca quis que eles
deixassem de fazer terapia... Por isso, apesar de escrever, e gostar de contar
as minhas histórias, e outras (que possam ser contadas)... Evito falar sobre o
câncer publicamente; A Psicanálise preconiza isso quando ela fala do cuidado
que há de se ter com a transferência. Estou redigindo esse texto, e eu senti de
fazer a leitura dele, que acontecerá dia 10/10/24... E também acho que o câncer
– O câncer que me acometeu.... – Não precisa ser um tabu, meus pacientes são
livres para falarem e sentirem o que quiserem sobre ele na terapia - mas que seja
por eles, não por mim, afinal, como diz a psicanalista Vera Iaconelli: “A minha
história eu conto pra minha analista”. Na terapia deles, eles contam a história
deles, e como eles se sentem sobre ter uma terapeuta que convive com câncer, e
porquê dessa escolha.
Felizmente, não consegui “fechar setembro”.
Impedida de comer, obviamente passei dias sem dormir também (Mas literalmente
sem dormir), com dores insuportáveis por todas as partes do meu corpo:
Ultimamente “insuportável” e “insustentável” têm tido significados muito
parecidos pra mim... Precisei desmarcar os últimos atendimentos do mês, nos
dias 26 e 27/09, mas compareci ao hospital na sexta-feira 27/09, muito com a
questão psicanalítica ou terapêutica que precisamos formular pra vida: “No que
me implico?”. Ou seja, “O que faço diante disso que a vida me apresenta?”. E
era a alternativa que eu tinha até então. Arrumei as minhas coisas, com a
convicção de que precisaria me internar. Dessa vez eu até achava que iria
morrer. Acho que fantasia e realidade se misturam e sempre penso que vou
morrer, se for para o hospital. Deixei alguns lembretes pra minha mãe e pra
minha irmã, sendo um deles onde elas deviam jogar minhas cinzas da cremação. Eu
ainda não tinha falado sobre isso. Mesmo tendo uma lista com 200 músicas que
gosto, pra tocar na cremação, ainda indiquei algumas que estavam “faltando”.
Escrevi uma carta breve para o meu filho... Mas acredito que eu vá ter tempo
pra escrever uma maior pra ele... Ou, melhor, eu já esteja escrevendo, desde
antes dele nascer. Minhas orientações, meus desejos... É a vivência, é a
história que estamos construindo juntos.
Cheguei no hospital, e toda essa dor que relato
aqui foi ignorada. O profissional queria que eu retornasse pra casa com todas
as dores que eu tinha chegado até ali. E eu repetia: “Estou há praticamente 1
mês sem comer”, e aquilo não tinha significado. Felizmente às vezes existe uma
coisa chamada “troca de plantão”, que faz com que algumas pessoas “sumam” da
nossa frente.
Estudo tanto os “bebês”, através de Winnicott,
Klein, Ferenczi, Françoise Dolto e outros grandes teóricos psicanalistas. Então,
naquele quase final de tarde comecei a chorar. Não era nada neurótico, não!
Senti-me com uma bebê. Eu só estava chorando, porquê eu precisava apenas do
básico: Comer, dormir, me sentir confortável, sem dor... Mas que também não era
morrer! Comecei a chorar chorar chorar!!! A enfermeira, e a médica vieram,
conversaram rapidamente comigo, acredito que compreenderam a minha dor. Foi aplicada
morfina, e outros medicamentos também. Morfina, droga que se usa para aplacar
dores em guerras. Em alguns momentos, o enfrentamento ao câncer se constitui numa
verdadeira guerra... Eu só havia tomado morfina em uma outra ocasião, quando
estive internada na UTI, em Tangará da Serra – MT, em janeiro de 2022, fazia muito
tempo.
Em pouco menos de 10 minutos, eu não sentia
qualquer dor no meu corpo. A mesma medicação (numa dosagem 3 vezes menor) foi
prescrita para tomar em casa, e estou em uso. Algumas providências importantes
precisam ser tomadas ainda, no sentido da investigação mais séria, profunda,
sobre essa dor. Mas por ora, eu tive um alívio, uma paz - que eu estava
merecendo. No dia 28/09/24, sábado, pude fazer alguns atendimentos. Minha vida
caminhou, segue aqui. Eu não precisei me internar. Momentos tristes não se
revelaram depois dali.
Durante vários meses, eu quis comer muitas coisas,
mas principalmente churrasco. Eu adoro maionese de batata, na verdade eu adoro todos
os acompanhamentos dessa comida tão brasileira! Domingo, dia 06/10/24, dia de
eleições... Domingo é um dia especial, eu nasci num domingo! No domingo minha
mãe preparou tudo isso, todos os acompanhamentos, apenas os assados foram
encomendados.
Foi muito
significativo poder comer esse prato de comida, e eu quis compartilhar essa
história com vocês.
Prazer, sabor, misturas, energia, força, nutrientes,
o encontro, levantar a taça e desejar algo (que é quando escolhemos o tema de
um brinde), brindar!... Sempre tiveram valor pra mim, e hoje cada vez mais.
A liberdade, uma das virtudes que mais aprecio,
está em poder escolher o quê comer, mastigar, engolir, e ter consciência sobre
o quanto isso se trata de uma preciosidade. A liberdade está também em ser uma
pessoa livre, de uma forma tão profunda, que nenhuma situação de fragilidade te
aprisione numa condição de medo, tristeza ou desvalor.
Thereza Erika, 08/10/24.
