Já escrevi numa de minhas poesias: "Em um dia cabem muitos dias". Sobre setembro eu poderia dizer: "Neste setembro cabem muitos setembros". Sim, há muita diversidade em vinte e quatro horas.
Porém, há uma marca nesse mês nove de 2024. Ele foi de muita dor física.
Tenho convivido com alguns desconfortos há bastante tempo, mas houve períodos longos de bem-estar, até que, desde maio desse ano, várias dores chegaram e fizeram morada gradativamente.
Num período anterior, a oncologista que me acompanha chegou a dizer que não havia nos meus exames de imagem ou laboratoriais justificativas para as dores.
As dores desaguaram, "desembarcaram", me atacaram!... Em agosto eu havia saído de férias da prefeitura. Na última semana de férias, fiquei péssima!
Esta primeira foto é de um dia à noite, início de noite, começo de setembro, após o término dos atendimentos. É certo que se tratava de uma fotografia após um dia de trabalho, mas já é possível notar que não estou bem, há um abatimento e um emagrecimento do rosto.
Eu sentia dores abdominais fortíssimas do lado esquerdo. As "crises" começaram a ficar frequentes e prolongadas. O abdômen, principalmente do lado esquerdo, ficava inchado e parecia que ia explodir!
Quando eu percebia a dor "chegar" ficava em posição fetal, encolhia-me o máximo, ficava bem "quetinha", com um travesseiro ou algo bem fofinho contra a barriga, quem sabe como forma de "despistar" algum "inimigo" implacável.
A dor, do abdômen, acredito que irradiou para a virilha e para perna esquerda. Eu também sentia fortes dores nas costas e nos ombros. Eu estava com muitas dificuldades para andar. Cheguei a mancar por alguns dias. Não conseguia ficar em pé por muito tempo, para aguardar o café esquentar no fogão. Precisava sentar para esperar. Estava vendo tudo aquilo acontecer comigo e fiquei com medo.
Os remédios que minimizavam a dor já não faziam mais efeitos.
Após a cirurgia oncológica, em 2021, desenvolvi um quadro de insuficiência renal. Desse modo, faço hemodiálise e frequento uma clínica especializada 3 vezes na semana. Os médicos tentaram me ajudar. Levantaram hipóteses e prescreveram medicamentos: Analgésicos, antibióticos, anti-inflamatórios, dietas líquidas e dietas restritivas, pois percebemos que o intestino, as dores naquela área, tinham uma grande sensibilidade à alimentação. Então, em princípio, eu conseguia comer alguns alimentos: Pão integral, biscoito integral, café, frutas - com exceção das ácidas, pão branco bem simples... Nada de manteiga, maionese, leite, ovos, carne, condimentos etc. Por um tempo fiz bastante dieta líquida: Caldo de feijão com caldo de carne (nada sólido), uma pitada de sal, com um pouco de limão (adoro acidez). Esse era um momento prazeroso pra mim. Algumas vezes, minha mãe passou horas preparando caldos de legumes para mim. Reclamou de certa vez ter estragado, por eu não ter comido à noite; Mas à verdade é que eu não tinha forças para levantar e preparar a comida.
Precisava ser muito cuidadosa com o horário e com o quê comia, para não ter crises enquanto eu trabalhava.
De repente, aquelas mínimas coisas que eu poderia comer, passaram a ser "nocivas" também. Eu comia e sentia dor.
Um dia, na ânsia de sentir algum prazer com o alimento, servi um prato com caldo de feijão, com caldo de carne, uma pitada de sal, um pouco de limão, orégano, um fio de azeite, um pouco de catchup, pimenta moída na hora e pimenta ao molho. Misturei tudo aquilo e bebi, sem que ninguém visse. O resultado não é difícil de imaginar. Imediatamente passei muito mal, e confessei a minha mãe que tinha enfiado um monte de pimenta no caldo.
Neste momento, onde todas as comidas se tornaram da seara do "impossível", havia algo que eu conseguia comer: Trata-se desse bolo dentro de um saquinho e um chá, na fotografia. Eles são servidos no lanche da hemodiálise, e sei lá porquê, não me causavam dor. Por alguns dias, foi isso que me sustentou.
Teve um período, que em 5 dias perdi 9 kg. Meu sono foi diminuindo cada vez mais. Meu ritual era assistir até umas 2 ou 3 da madrugada "Criminal Minds", uma série que gosto bastante, e estou na 13° temporada.
Porém, em algum ponto, eu já não conseguia mais dormir - Momento em que as coisas ficarem bem difíceis.
A essa altura, eu já havia desenvolvido uma maneira para viver, temporariamente.
Eu estava sofrendo bastante nesse setembro, mas às vezes sorrindo também, brincando com a minha sobrinha, estudando, rindo das cadeiradas e dos políticos... E pensando e chorando muito por causa de comida... Imaginava um churrasco completo, uma picanha com gordura, maionese de batata, purê de batata, empadão da Carol com pimenta, goiabada e um monte de outras coisas. Até o que era leve queimava-me, machucava-me. Eu não tinha energia, eu não tinha forças, então quando não estava atendendo, estava deitada, tentando descansar, tentando encontrar algum alento. Também não conseguia sair, para ir em alguns lugares... Café, shopping, cinema, almoçar fora, e o calor e a fumaça se tornou um empecilho até mesmo para ir aos lugares que precisava. Eu me sentia como uma boneca, um boneco que se quebra e isso é irremediável.
Ir ao hospital parecia inevitável. Minha mãe falava sobre isso, como diz sempre, mesmo sabendo da minha resistência, da minha ojeriza.
Minha analista, que sempre fala com delicadeza - E que simplesmente trabalha num hospital há "1000" anos - Ponderava, mas parecia compreender.
Meu plano era finalizar o mês, atender todos os meus pacientes até a última semana de setembro, e então ir para o hospital... Pois nunca se sabe o que vai acontecer quando adentramos num hospital.
Não dormi, não comi - Levantei cedo? Rs. Comecei arrumar minhas coisas, e um dos "insights" que tive é que não gosto de ir para o hospital porquê penso que não vou sair de lá viva.
Antes de ir, dei orientações pra minha mãe e irmã sobre meus desejos, caso eu morra: A playlist pra tocar na minha cremação, a praia pra jogar minhas cinzas, além de escrever uma carta para Fellipe.
Pra família apenas a frase: "Bom estar com vocês amiguinhos!"
Para finalizar... Chegando na emergência do Hospital de Câncer, o médico me atendeu mal e me prescreveu uma medicação que nunca amenizou qualquer uma das minhas dores. Falei.
Estava muito desesperançosa e desesperada de voltar pra casa do mesmo jeito, com a mesma dor.
Poucos minutos antes havia tido uma troca de plantão.
Em meio aos meus sentimentos... Durante esse mês de setembro eu quis ler o livro de Jó, que eu nunca tinha lido... E há muitos anos ele foi interpretado pelo grande ator Matheus Nachtergaele no teatro. E foi importante pra mim essa leitura. Em mais este processo escolho resistir, com serenidade.
Naquele instante, emergência vazia, sala fria... Começo a chorar chorar chorar... Como um bebê eu acho! A enfermeira que havia acabado de pegar o plantão vem, assustada com meu choro, e não precisa me ouvir por muito tempo, pra saber o que fazer.
A médica vem também. Escuta-me, compreende minha história e dor. Remédios são aplicados, e em menos de 10 min minhas dores cessaram, pois se tratava de um medicamento potente.
Medicamento na medida de um cuidado paliativo, não porquê se vá morrer, mas porquê precisamos viver com dignidade.
Fiquei tão feliz de poder ir andando um pequeno trecho até a farmácia, de conseguir dormir, de conseguir comer
Sábado de manhã piquei um pedacinho de cebola pra fazer com ovo mexido e tomar com café com leite.
Desde que vim para Campo Grande, minha mãe lava todas as minhas roupas; Hoje precisava de algumas para trabalhar e eu mesma lavei, pois não tenho qualquer dor em meu corpo.
Cuidados ainda são necessários, com todo processo de recuperação, mas estou muito grata com tudo o quê o amanhã me trouxe! Com tudo que a vida me traz!
Thereza Erika, 30/09/24 - 01/10/24.
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